sábado, 10 de abril de 2010

De filmes e de lágrimas


Sempre admirou as pessoas que choravam sem pudor. De alegria ou tristeza, não importava. Sua família não era de liquefazer emoções, mas, sendo canceriana, jamais pôde negar completamente as raízes astrológicas. As novelas e, mais tarde, os filmes, foram sua válvula de escape, com um pequeno artifício.
Aprendeu a chorar para dentro, sem lágrima, técnica que não saberia ensinar. Embora não fosse imune à comoção, tinha uma vida árida em demonstrações lacrimais. Até aquela sessão na extinta sala da Tijuca, antes dos cinemas se tornarem evangélicos ou se mudarem para os shoppings.
O filme fora recomendado por uma amiga de gosto apurado e pouco choro, é bom que se diga. Era “Camila, símbolo de uma mulher apaixonada”, da cineasta argentina Maria Luisa Bemberg, baseado na real história de amor entre Camila O’Gorman, jovem da sociedade portenha, e o padre Ladislao Gutiérrez, em meados do século XIX.
Triste era pouco. Tentou segurar a onda, ou melhor, a lágrima, mas logo tateava um lenço no fundo da bolsa. Não encontrou e, na metade da sessão, apelou para a manga do vestido. Por fim, deixou que as lágrimas escorressem livremente. Terminado o filme, resolveu ir ao toalete para recompor-se. Precisava lavar o rosto, não podia sair do cinema naquele estado. Vai que encontrasse um conhecido na porta, ou a caminho de casa. Pior: se encontrasse um parente.
Ao entrar no banheiro feminino, deu de cara com pelo menos uma dúzia de mulheres, não na fila do xixi, mas aguardando a vez de molhar o rosto na pia. Algumas ainda choravam sem a menor vergonha, outras assoavam o nariz, outras davam tapinhas de conforto no braço mais próximo. Catarse coletiva feminina.
Saiu mais leve, e até hoje não sabe explicar o poder libertador de“Camila”.

3 comentários:

  1. Não assisti a este filme, mas sua postagem me acendeu uma vontade enorme de fazê-lo!

    Permitir-se chorar, sem pudor, em público, por emoção face ao que assistimos, é difícil sim, é difícil porque antes temos que vencer as amarras do ego e do que é socialmente esperado, afinal vc é vulnerável, atingível se chora, e talvez o choro seja de identificação e nào somente de emoção, e vamos passar recibo disso? ...eu tenho dificuldade também de chorar livremente, o choro é mudo, pode ser forte, mas um forte contido...e a garganta sempre retém aquele nó.

    E isso tudo se aplica a mínimas coisas, afinal não somos livres para mostrar que somos frágeis, pois o mundo ainda é para os fortes.

    Amei a publicação.

    Beijos,
    Didi

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  2. Muito bom, Madu (gostei do codinome).
    Bom tê-la de volta ao mundo blogueiro, com tanta qualidade.
    bjs.

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