segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

De volta às origens


Praça Padre Miguel 
Faz tempo que o Rio “pra exportação” é o da Zona Sul / Barra. Tendo vivido na Zona Oeste sem interrupção até os 21 anos, e voltado para lá em outros curtos períodos, tive uma boa surpresa ao ler os dois volumes de O velho oeste carioca, de André Luis Mansur (ed. Ibis Libris).

Até então, eu nunca tinha lido nada que mostrasse a Zona Oeste (exceto Barra) como o lugar interessante onde vivi por tantos anos, e onde ainda mora parte da minha família. Adorei!

Fim de ano, época de balanço e de nostalgia, ler sobre a história da Zona Oeste me fez viver uma experiência talvez comparável ao filme da vida que (dizem) assistimos no momento da passagem. Enquanto lia, foram surgindo imagens que compõem minha história pessoal, como a dos cinemas, praias e escolas que frequentei. Cá entre nós: melhor esse filme da vida projetado no auge da existência (espero!), e a partir de um livro tão informativo quanto agradável... 

Apesar de ter morado em Realengo até a maioridade, o primeiro cinema que conheci (na década de 1960) foi o Cine Matilde, em Bangu. E confesso guardar uma lembrança não muito agradável do Cine Realengo: no início dos anos 1970, quando tentei assistir Love story com minhas amigas, fui barrada porque não tinha a idade mínima.

O dia de ir ao cinema era tão divertido para mim quanto ir à praia, à Quinta da Boa Vista e ao Maracanã (meus programas prediletos, dentro e fora da Zona Oeste). Ia ao cinema com tia Edith, irmã da minha mãe,  para ver filmes de Mazzaropi. O “dia do Matilde” era também dia de comer chocolate, comprado pouco antes de entrarmos. Isso criou uma sinapse definitiva entre meus neurônios, sem falar da sensação despertada pela serotonina. E explica por que, até hoje, mesmo não sendo chocólatra, durante as sessões prefiro uma pequena barra de chocolate a um saco de pipoca. 

A primeira praia que frequentei na vida foi a de Dona Luiza, na Baía de Sepetiba. Nessa época, meu sonho de consumo era ter uma boia de câmara de pneu de caminhão, apetrecho comentado no volume II de O velho oeste carioca. Da praia, lembro-me principalmente do lodo, e de outras dádivas não medicinais da natureza (humana) que boiavam na água.

Quando tinha uns 8 anos, passamos a frequentar o Recreio (quase deserta, com pouquíssimas construções). Algum tempo depois, meu tio Juca (marido da tia Edith) conseguiu carteira da Restinga da Marambaia e começamos a frequentá-la. A Marambaia era uma linda praia selvagem, bem mais perigosa que as outras, limitando as brincadeiras no mar (já não sonhava com a boia de câmara de pneu). Na adolescência, no fim dos anos 1970, frequentei também a Pedra de Guaratiba, onde minha avó paterna morou.

Meu pai (assim como alguns de meus tios) trabalhou na Fábrica de Cartuchos de Realengo - dos 14 anos (como aprendiz de desenhista) até quase a aposentadoria, na condição de funcionário civil do Ministério do Exército (sim, hoje soa absurdo um menor de idade trabalhando em uma fábrica de munição).

Quando a fábrica encerrou atividades, entre 1978 e 1980, parte da produção foi transferida para a Restinga da Marambaia (onde meu pai chegou a trabalhar por uns dois anos). Eu e muitas outras pessoas sentimos falta do apito que marcou gerações: de segunda a sexta, a fábrica apitava três vezes ao dia, e era também o nosso relógio em relação à escola. O primeiro apito era às 6:40 h. (chamando os operários e, de quebra, lembrando às crianças atrasildas como eu que faltavam vinte minutos para o início da aula). O segundo era às 7 h. (início da jornada), e o último às 17 h. (fim do expediente).

Em plena Vila Militar, minha primeira escola foi a Rosa da Fonseca, no emblemático ano de 1968 (eu tinha 5 para 6 anos, e lá fiz o Jardim de Infância). No ano seguinte, fui estudar na Escola Municipal Nicarágua, na Praça Padre Miguel, em Realengo - mesma praça da Igreja de N. S. da Conceição, onde meus pais se conheceram no coral, em 1957.

Não posso deixar de mencionar umas piadinhas infames típicas dos anos 1960/70. Eram rimas feitas pelos alunos com os nomes das escolas e também dos cursos particulares: “Escola Rosa da Fonseca, perna fina e bunda seca”... “Curso Venceslau, entra burro e sai lalau”... Nem tudo era rigidez, como se pode notar.

Outra lembrança marcante da minha infância na Zona Oeste são as caminhadas com meu pai e meus irmãos na Serra do Barata, Maciço da Pedra Branca - uma região muito bonita, que integra atualmente o Parque Estadual da Pedra Branca, considerado a maior floresta em área urbana do mundo*.

Meu pai já tinha espírito ecológico quando nem se usava essa palavra. Se ainda estivesse por aqui, completaria hoje 81 anos.


* não é a Floresta da Tijuca...